A pesquisadora Luciana Dias de Lima, da Ensp/Fiocruz faz uma ampla análise da importância dos consórcios públicos na área da Saúde, como instrumentos de cooperação e apoio à gestão descentralizada. Destaca, ainda, a relevância desses instrumentos em situações de pandemia como a da Covid-19.
No Brasil, uma das formas de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus foi a criação de um Comitê Científico no âmbito do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, para orientar os nove governadores da região na tomada de decisões. Para falar dos consórcios públicos de saúde, o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz conversou com a médica Luciana Dias de Lima, pesquisadora e professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). “Os consórcios públicos são um importante instrumento de coordenação e cooperação intergovernamental e permitem conjugar esforços em prol da resolução de problemas comuns, adequando-os a diversas escalas de atuação territorial seja macro, meso ou micro regional”, explica Luciana. Como instrumentos de cooperação, observa, ainda, “permitem formalizar parcerias técnicas e financeiras entre os governos, tanto nos processos que envolvem as políticas públicas, quanto na prestação de ações e serviços de diferentes tipos, incluído os de saúde”.
Há uma diversidade de experiências consorciadas na área da saúde no país. Segundo Luciana Dias, “não existe um modelo único de organização e funcionamento de consórcio. O que existe é uma grande diversidade de experiências em curso”. Ela cita dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, realizada pelo IBGE, apontando que mais de 50% dos municípios brasileiros em 2015 informavam participar de consórcios com atuação na área da saúde, número que praticamente quadriplicou, quando comparado a 2005, ano em que foi sancionada a lei 11.107, que estabeleceu as normas gerais para a constituição dos consórcios públicos e os marcos regulatórios da gestão associada entre os diferentes entes federativos. “Esse processo que fortaleceu uma maior articulação e coordenação entre as três esferas de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) foi reforçado com a publicação do decreto 6.017”, explica. “A lei 11.107 e o decreto 6.017 regulamentaram a conformação dos consórcios públicos e permitiram a alteração em termos de (sua) organização e dinâmica de atuação, possibilitando a participação dos estados e da União nos consórcios. No caso da saúde, a lei e o decreto enfatizam a importância da dinâmica de atuação desses consórcios se orientarem pelos princípios e diretrizes do SUS”, esclarece Dias.
A pesquisadora sublinha, no entanto, que os consórcios não são estruturas novas no arranjo federativo brasileiro. “Temos que reconhecer que os consórcios não começam após a Constituição de 88. Na verdade, os consórcios, enquanto instrumentos de coordenação e cooperação, já eram previstos em constituições anteriores e, na saúde, o primeiro consórcio intermunicipal foi constituído em Penápolis (SP) em 1986”.
Desde então, os consórcios experimentaram mudanças significativas, “aumentaram em número, diversificaram o seu escopo de atuação e inovaram estratégias de organização regionalização”, explica Dias.
Atualmente, existem os consórcios conformados exclusivamente por governadores, como é o caso do Consórcio do Nordeste, criado em 2019. “Isso representa algo novo no próprio arranjo federativo brasileiro”, destaca Luciana Dias, acrescentando que há, também, os consórcios verticais que se ampliaram a partir da promulgação da lei de 2005, conformados por diferentes níveis de governo. “É o caso da experiência do Ceará, que é de fato bastante diferenciada no que tange à participação do estado e do financiamento garantido pelo governo estadual no funcionamento desses consórcios”. Na experiência do Ceará, o fundo destinado ao custeio da gestão, realizada pelos consórcios, das policlínicas regionais e dos centros especializados de odontologia advém do ICMS, que deveria ser devolvido para os municípios.
Os consórcios permitem a realização de compras, gestão e provisão de serviços de forma consorciada, aumentando a capacidade de gestão pública. “Um município individualmente pode não ter capacidade de gestão e de provisão de serviços, mas de forma consorciada pode colaborar financeiramente e tecnicamente para isso com um conjunto de municípios ”, explica Dias.
“No enfrentamento da Covid ou de pandemias de uma forma geral, os consórcios permitem reduzir o custo da provisão de serviços que passam a ser ofertados para um contingente populacional muito maior”, diz a pesquisadora. No caso do consórcio entre governadores, possibilita uma atuação do ponto de vista macro regional, tornando mais barato o valor de determinados insumos. “Agora (no contexto da pandemia), por exemplo, foi muito importante ter viabilizado esses processos de compra pelo consórcio do NE, mas não só”, diz a pesquisadora.
Consórcios para a promoção de desenvolvimento regional
Os consórcios, segundo ela, apontam, também, para uma perspectiva mais ampla de futuro, no sentido de ações de longo prazo que deverão ser desenvolvidas nesse contexto pó-pandemia. “Esse é um dos principais objetivos da constituição do consórcio do NE _ a promoção de políticas de desenvolvimento pelo conjunto de entes consorciados. Políticas em prol do desenvolvimento regional que serão muito importantes para a recuperação econômica do país, assim como para a redução das desigualdades e promoção do bem estar da população”, explica a pesquisadora.
Em relação à organização de redes de serviços de saúde, Luciana diz que os consórcios permitem, ainda, otimizar o uso de determinados equipamentos e de serviços, em geral de maior complexidade, que não têm viabilidade econômica ou mesmo justificativas do ponto de vista da qualidade para serem desconcentrados de uma forma mais significativa no território. “Os consórcios permitem que determinadas estruturas e equipamentos de média, alta complexidade sejam oferecidos de forma consorciada, solidária, cooperativa entre os entes participantes, fortalecendo, com isso, a capacidade de gestão pública”, conclui a pesquisadora.
Aprendizado que a Covid traz em relação aos consórcios
Para a melhor operacionalização dos serviços oferecidos pelos consórcios, Luciana Dias ressalta que essa deve acontecer de forma articulada com todas as estruturas de planejamento e gestão instituídas no âmbito SUS. “Uma coisa que ficou muito evidente durante a pandemia foi a necessidade de se articularem melhor as estruturas de planejamento e gestão intergovernamental do SUS como, por exemplo, as comissões intergestores regionais e mesmo as estruturas regionalizadas das secretarias de estado de Saúde com os consórcios intermunicipais constituídos nas regiões de saúde. Essa é uma questão chave para que os serviços oferecidos pelos consórcios sejam orientados pelos planos de ação dos governos acordados no âmbito das comissões intergestores regionais”.
Na área de saúde, ainda que os consórcios tenham avançado do ponto de vista da regulamentação nos anos 2000, a pesquisadora, diz que é “preciso que sejam mais valorizados enquanto instrumento de apoio à gestão descentralizada ou mesmo para o avanço da regionalização nesse marco de regulamentação nacional que envolve o processo de descentralização e regionalização do SUS”.
Ela destaca ainda a necessidade de maior aproximação do funcionamento dessas instâncias com as estruturas colegiadas de gestão intergovernamental instituídas no âmbito do SUS. “ Sabemos que existem consórcios públicos de saúde que operam de uma forma muito articulada a essas estruturas de gestão colegiadas (…), mas eu diria que isso não é a regra”.
Por último, Luciana destaca que é preciso ousar um pouco mais em relação aos mecanismos de financiamento utilizados pelos consórcios. “ É preciso ter incentivos mais claros para o destino de determinados recursos em prol das ações que são ofertadas de modo consorciado pelos entes, pensar em novos dispositivos que favoreçam o destino adequado desses recursos oriundos de outras esferas de governo”, conclui.
Fonte: CEE/Fiocruz